A decisão sobre a Lei Magnitsky e STF reafirma a soberania nacional, mas não representa novidade: aumenta a pressão para que empresas brasileiras evitem aderir voluntariamente, gerando um dilema para administradores e acionistas.
A recente decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, que vedou a aplicação automática de leis e sanções estrangeiras no Brasil, foi celebrada como um gesto firme de reafirmação da soberania nacional. Ao determinar que diplomas normativos como a Lei Magnitsky só podem produzir efeitos no país após homologação judicial, a Corte delimitou as fronteiras de atuação do direito estrangeiro em território brasileiro.
Mas se no plano político a decisão reforça a autonomia do Estado, no plano econômico e corporativo ela inaugura dilemas ainda pouco explorados, que envolvem a responsabilidade dos administradores e os direitos dos acionistas.
De certo modo, porém, a decisão “chove no molhado”. É evidente que leis estrangeiras não se aplicam automaticamente no Brasil, sob pena de ofensa direta à soberania nacional. O que ocorre, na prática, é que empresas brasileiras, por razões comerciais, optam por aderir espontaneamente aos termos de legislações como a Lei Magnitsky, para não sofrer sanções impostas por autoridades ou instituições norte-americanas.
Trata-se, portanto, de uma adesão voluntária e pragmática, informada por interesses econômicos, e não por obrigação jurídica interna. Nesse sentido, a decisão do ministro não trouxe propriamente novidade: limitou-se a reforçar, com a autoridade do Supremo, uma pressão para que as empresas brasileiras evitem essa adesão voluntária.
As manifestações imediatas de especialistas e do mercado refletiram esse impasse. Analistas em comércio internacional advertiram que, embora a decisão do STF neutralize efeitos automáticos da Lei Magnitsky no Brasil, empresas brasileiras que atuam em solo norte-americano permanecem sujeitas a sanções externas, como bloqueio de ativos e restrição a operações.
Juristas críticos apontaram o risco de enfraquecimento da cooperação jurídica internacional, enquanto gestores financeiros destacaram o dilema dos bancos, obrigados a escolher entre cumprir a decisão da Suprema Corte ou preservar o acesso a sistemas globais de pagamento.
O Banco Central e a Febraban foram notificados e incumbidos de observar a decisão, mas, até aqui, não se pronunciaram publicamente sobre seus efeitos práticos, reforçando o clima de incerteza.
Esse contexto, entretanto, não pode ser reduzido a uma equação de custos e benefícios econômicos. A Lei das Sociedades Anônimas impõe aos administradores o dever de agir no interesse da companhia, o que inclui zelar pela sua viabilidade econômica e competitividade global. Assim, o dilema não é apenas político ou comercial: é também jurídico.
Descumprir sanções internacionais pode ser visto, em determinadas circunstâncias, como violação ao dever de diligência, por expor a empresa a prejuízos previsíveis. O administrador que, hoje, decide em sintonia com o STF pode se sentir juridicamente protegido. Contudo, num sistema em que jurisprudências se alteram e até a coisa julgada já não goza da mesma intangibilidade, não é improvável que decisões consideradas corretas no presente sejam reavaliadas no futuro, sobretudo se o poder mudar de mãos.
É nesse ponto que a posição dos acionistas minoritários e dos órgãos de fiscalização e controle ganha relevo. Minoritários, historicamente vulneráveis a abusos de governança, podem questionar judicialmente decisões que entendam ter comprometido injustificadamente a companhia, buscando reparação de perdas patrimoniais. A CVM, no âmbito do mercado de capitais, poderá interpretar como gestão temerária a conduta de administradores que, ao ignorar normas estrangeiras de forte repercussão global, tenham conduzido a sociedade a resultados desastrosos.
O Ministério Público, por sua vez, pode acionar civilmente dirigentes cujas escolhas causem danos difusos ou coletivos. Em última análise, a encruzilhada do administrador não se restringe a escolher entre obedecer ao STF ou às sanções internacionais: ela envolve o risco real de ser responsabilizado internamente, hoje ou futuramente, por não ter adotado a solução que se mostrava mais prudente para a companhia e seus acionistas.


